Em rápida recapitulação sobre a primeira obra novelesca
do mundo, tanto no mérito quanto no Tempo, digo duas palavras acerca do conto
mais genuinamente Jina que ela contém, a saber: o do príncipe Camaral-zamam e a
princesa Badura, onde convivem homens, fadas e gênios.
O príncipe Camaral-zamam, por não querer contrair um
matrimônio de Estado, foi feito prisioneiro por seu pai, como o Segismundo de
Calderón, em torre solitária. A fada Mainuma surpreende-o dormindo; e admirada
de beleza tão sobre-humana, comunicou seu assombro a um gênio amigo, que lhe
disse:
— Por muito belo
que seja o príncipe persa, infinitamente mais bela é minha princesa Badura, a
qual, por análogas resistências a quantos casamentos de conveniência seus pais
quiseram impor-lhe, também vive enclausurada, em exilo estreito, longe de todo
olhar humano.
— És um insensato, irmão gênio, só com o intento de
fazer-me acreditar que tua princesa tenha quando muito a metade da formosura de
meu príncipe.
E assim, travou-se terrível discussão entre a
gentil fada e o teimoso gênio. Para termina-la de vez, resolveram colocar o príncipe
e a princesa, lado a lado, durante o sono de ambos. Mas a discussão tomou
aspecto grave, porque, mesmo vendo-os untos e adormecidos, fada e gênio
mantiveram a discussão a respeito daqueles tipos de beleza.
— Então vamos dar o prêmio de formosura a um dos dois que
tenha maior beleza moral, isto é, àquele que, desperto, se mostre mais terno e
amoroso, já que não existe no mundo beleza comparável à imarcescível beleza do
coração.
E assim ficou
bem combinado.
Emparelhado sob
mágico meimendro, dormiam um ao lado do outro os dois príncipes, mas eram
despertados alternadamente. Então observa-se tais provas de supremo amor de um
a outro, da maneira mais casta, que a duvida ficou de pé, como a princípio.
Inútil é acrescentar que ambos já despertos e cada qual em seu reino, aliás,
distantes entre si de mil léguas, confessaram de igual modo os acontecimentos
maravilhosos aos seus respectivos pais.
Mas o problema que subjugava os dois
amantes parecia insolúvel. Como a princesa poderia tornar a ver o seu príncipe encantado?
Aqui o conto descerra
uma série de aventuras, todas iniciáticas e todas com o sabor de lendas, (Que
podes achar admiravelmente descritas no texto em questão) até o dia em que,
depois de várias peripécias e de múltiplos conflitos, os dois namorados puderam
ver-se abraçados e unidos por laços felicíssimos.
Meu propósito ao
recordar a formosa lenda oriental não vai mais adiante, pois limita-se apenas a
sublimar um dos fatos singulares e inexplicáveis, que sempre precede o
verdadeiro amor e que se resume no famoso ditado castelhano: “do céu calha
casamento e mortalha”. Na verdade, ambos dependem por certo do misterioso jogo
do destino, que o vulgo chama casualidade...
Por que
desconhecida lei orgânica pode iniciar a puberdade, tanto em um como no outro
sexo, com sonhos premonitórios, de emotividade inenarrável, como se neles
interviessem, vou assim dizer, fadas e gênios, á feição dos famigerados íncubus
e súcubos (Malleus malleficarum) da literatura eclesiástica medieval? Por que e
como na realidade, o instantâneo dardo de cupido — o deus doidivanas e cego —
decide num momento o futuro inteiro dos que foram por ele feridos?
Eis-nos, aqui
outra vez e sempre, às voltas com o problema do amor, o eterno amor, no qual,
mais que nenhum outro, atuam em nosso derredor os seres invisíveis do submundo
e do supra mundo, como diria o grande teósofo português Visconde de Figanière.
Amor, nervo todo do imenso poema em prosa dos pares
primitivos, maior do que a morte, pois que mata dando vida.
Amor, assim, igual
ao do sagrado lar dos ários, onde o brahmim ou pater familiae é sacerdote em
companhia da mulher, filha, filho, e até do estrangeiro protegido.
Amor sublimado que se eleva acima do próprio sexo, em símbolos
e emblemas transcendentes de um mundo superior ou Jina, que nos aguarda
piedosamente.
Amor, afinal, que, depois desse solene dia do abandono de nossa
carne, a filha e mãe do sexo, nos faz descerrar coma morte o casto mistério de
As mil e Uma noites, ou seja, bem traduzido, O Véu de Isis.
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