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terça-feira, 24 de julho de 2012

Mundo, Submundo, Supramundo. (Doutrinando a Ciência)

Se bem que, em verdade tais coisas tenham de esclarecer-se depois da morte, compete sabê-las antes por meio do entendimento (da iniciação), uma ideia disso há na famosa sura XVIII, sobre “ Os sete dormentes da caverna” (Sura de Alkahf).

“ Um dia falou o Discípulo ao seu criado – Asseguro-te que não cessarei de caminhar até que eu chegue, a pé, à confluência dos dois mares, mesmo que tenha de andar, mais de vinte e quatro horas”.
  Partiram levando “um peixe” por alimento, e ao fim de penosa jornada, chegaram à confluência dos dois mares, ou seja o mar de “Moisés”, que é a ciência exterior (exotérica ou vulgar), e o mar de Dhul Karneim, que é o oceano sem margens da ciência interior ou iniciática, muito mais elevada do que os homens podem imaginar.

Apartando-se um pouco para um lado, e por especial disposição do senhor, encontrou-se o Discípulo com um dos seus maiores servidores, cidadão de suprema ciência e de insuperável virtude que o esperava há muitos anos.
— Permitas que eu te siga? – Perguntou o discípulo ao desconhecido, logo que, cheio de veneração, se prosternou longo tempo diante dele.

— Se o desejas, poderás fazê-lo, replicou o Sábio desconhecido; mas receio que não tenhas paciência bastante para permanecer comigo. Poderias suportar em silêncio muitas coisas cujo sentido verdadeiro não compreendesses à primeira vista?
— Querendo Deus – insinuou humildemente o discípulo – sempre há-de encontrar-me perseverante e eu não te desobedecerei nunca.

— Pois bem – arrematou o desconhecido mestre – se estás decidido a me seguir, não me perguntes sobre coisa alguma de que eu não tenha falado primeiramente.
Então, puseram-se em marcha o Mestre e seu discípulo. O primeiro embarcou numa canoa pequena, fazendo o segundo segui-lo; mas, longe da praia meteu-a pique. O discípulo então alvoroçado indagou: — Mestre, por que, poderás dizer-me, praticas tão chocante ação?

— Vejo com tristeza, redarguiu-lhe, que efetivamente careces da devida paciência para ficar em minha companhia.
— Mestre, não me recrimines; nem me imponhas, rogo-te, obrigação muito difícil de suportar…

Um pouco além do caminho eles encontram um moço de mau aspecto sobre o qual se lançou o desconhecido, e, em seguida, matou-o. O discípulo, ao ver aquilo não pode conter-se: — Ó Mestre, matar assim um homem inocente que a ninguém fez mal!... Temo que hajas cometido uma falta detestável aos olhos de Deus e dos próprios homens! Ou seria algo que pudesse encontrar justificação?
— Já te disse que precisarás de muita paciência para seres meu discípulo… — retrucou-lhe o Mestre, contrariado.

— Perdoa-me ainda uma vez, que será a última! — murmurou o discípulo, com humildade.
Seguiram até chegar as portas de uma cidade, cujos habitantes se negaram a recebê-los, conforme lei vigente para todos os viajantes. O desconhecido advertiu ao discípulo que os muros da cidade estavam em ruína, e este, sem poder reprimir-se, explodiu uma pergunta: — Embora renegado pela cidade, ó Mestre, como consentes que fiquem assim os seus muros e esmaguem um dia os seus habitantes?

O desconhecido estacou; e, voltando-se para o discípulo, respondeu-lhe severamente: — Tal qual eu havia prognosticado!... Como me perguntas-te já três vezes, contra o que estava combinado, aqui mesmo resolvi deixar-te; mas se eu não satisfizer a tua curiosidade, poderás julgar-me a respeito do que já pratiquei, assim, vou dar-te boas razões!... Que saibas, pois: afundei o barco porque daí a poucas horas nele viajariam os seus donos rumo ao alto mar, e por certo seriam presa irremissivelmente de piratas, que mareavam por aquelas cercanias, saqueando, e que os levariam à forca.

Quanto ao jovem, eu o matei porque ele antes trucidara injustamente um outro; além disso, estava disposto a aniquilar um segundo e um terceiro. É preciso notar que esse jovem ia parar de modo fatal nas mãos do verdugo que lhe causaria muitos e maiores sofrimentos, sem contar a imensa vergonha que desabaria por sobre sua família de sinceros; melhor o ter, assim, expiando seus delitos. Deus, em recompensa, lhe dará aos pais um filho mil vezes mais conveniente do que esse que perderam. No que tange, finalmente, à muralha, dir-te-ei que nela se apoia a casa de uns pobres órfãos; e debaixo de seu solo jaz um GRANDE tesouro escondido pelos pais deles. O Senhor não pensa em devolver-lhes a não ser quando atinjam a Idade da Razão que lhes assegure mais virtude… Se os da cidade soubessem da ameaça da muralha, apresar-se-iam em derrubá-la para o refazer. E, então, o tesouro ali depositado se destinaria a outrem; ou houvera antecipar de alguns anos em prol dos órfãos a riqueza a eles reservada oportunamente, com o que entrariam talvez na senda do vício e do piáculo ao invés da virtude e da temperança… Eis, aí, portanto, concluiu o sábio, as coisas que não soubeste prever por causa de tua descomedida impaciência!…

— Eis aí, também, exclamaria o Senhor onipotente, como tenho arcanos de insondável sabedoria, quando parece minha mão descarregar todo meu poder sobre os mortais que, ao receberem o dano, desconhecem ser um benefício dos maiores e dos mais preciosos!

Eduquemo-nos!

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